18 de mai. de 2009

A roda de capoeira: um espaço sagrado.

Ultimamente,alguns praticantes de capoeira não têm dispensado o devido respeito ao espaço onde é praticada a capoeira:a roda. A preocupação com a disposição dos instrumentos é pura perda de tempo. A questão é se esses instrumentos estão preparados para cumprir as suas funções, o que depende de estarem bem afinados e bem tocados.A energia da roda de capoeira está diretamente relacionada à capacidade dos tocadores os quais têm função semelhante, nas devidas proporções, aos tocadores de candomblé (alabês) que, através do rítmo e da música, conseguem fazer contato com orixás,inquices ou voduns - a depender da nação -, e assim convidá-los para participarem da festa.
Na roda de capoeira também é possível essa relação dos tocadores com essa ancestralidade(espiritualidade) da capoeira, desde que esses tocadores estejam preparados para fazer essa comunicação. No caso específico da capoeira,inexiste a necessidade de iniciação, como acontece com os alabês, como alguns podem vir a acreditar, mas é indispensável o aprendizado anterior com um mestre de capoeira que tenha a condição de transmitir os segredos dessa comunicação.Para um entendimento da dinâmica energética da roda tentarei, metaforicamente, apresentar todo o seu desenvolvimento.
Imaginemos que os tocadores, de todos os instrumentos, sejam os "fósforos", e que o tocar os instrumentos e o início do canto (ladainha) simbolize o riscar desses fósforos. As "velas" que estão delimitando a roda começam a receber "energia térmica" e entram em combustão, o que é simbolizado ao responderem a ladainha e o corrido. Logicamente, as duas "velas" que estão mais próximas dos "fósforos" irão receber mais energia que as outras, o que resultará em derretimento e consequente amalgamento capaz de dificultar, para os desendentidos, o que realmente está acontecendo no centro da roda com aquelas duas velas em processo de "derretimento".
Os elementos simbólicos da roda de capoeira estão à disposição de qualquer um. O desafio é conseguir transformar esses elementos em energia, de forma a estimular o transe.

MESTRE MORAES (indicado para o Grammy 2004, categoria Traditional World Music, pela National Academy of Recording Arts& Sciences)

16 de mai. de 2009

Pensamento do mês

You diminish a person's humanity when you call him out of his name.
Cornel West,1954-
Philosopher and Activist.

Você diminui a humanidade de uma pessoa quando você a chama por um nome diferente.
Cornel West, 1954-
Filósofo e Ativista.

15 de mai. de 2009

Seguindo em frente.

Conforme prometido, segue uma das minhas músicas.

Eu já lhe disse que sou
Planta de raiz profunda
Eu aguento tempestade
O meu barco não afunda
Eu sou aço de primeira
Que a brasa não derrete
Flecha de má pontaria
Duvido que me acerte
Forte como o baobá
Tronco grosso e resistente
Osso duro de roer
Que não é pra qualquer dente
Nasci carne de terceira
Difícil de cozinhar
Mas sou fácil pra qualquer
Que saiba me conquistar
Que não venha com coleira
Pra querer me escravizar.

Roupa de homem não dá em menino.

Aconteceu o que eu queria: mexer com o pessoal que há muito tempo vem, em nome da tradição, se utilizando de simbologias que só reforçam o preconceito, o racismo e a agressão à estima do outro. Pior, os alunos pagam para ser desrespeitado. Como estratégia para sensibilizar os incautos estão dizendo que eu quero desqualificar o mestre Bimba. Até Jesus Cristo entrou na roda como a pessoa que deu apelido a S. Pedro, ou que até ele mesmo tinha o apelido de Jesus Nazareno. Graças a esse mesmo Jesus não temos mais inquisição. Daqui a pouco, mais uma vez em nome da tradição, vão querer crucificar o aluno. Um outro achou que descobriu a pólvora, divulgando que no Rio de Janeiro eu, até usei e dei cordéis aos meus alunos. É verdade, sim. Em um determinado momento, muito curto, da minha história como mestre de capoeira no Rio de Janeiro acreditei que, aliando-me aos movimentos da época estaria ajudando à capoeira no seu desenvolvimento. Quando observei, em tempo, que algumas práticas seriam prejudiciais aos objetivos sócio-políticos da capoeira, deixei-os de lado e comecei a chamar a atenção daqueles que ainda não tinham observado tais armadilhas. Caso haja o interesse, é possível encontrar várias histórias, em que capoeiristas que depois de algum tempo abriram mão de práticas que não condiziam com o que ele/ela acreditava.Numa recente reportagem para um jornal de grande circulação, aqui na terra do Senhor do Bonfim, o meu amigo Nenel afirmou que um dia tentou usar as faixas ou cordões mas voltou atrás quando observou que tal prática acabou indo contra os princípios que ele tinha da capoeira: quem sabe mais ajuda quem sabe menos. Com o advento das graduações, nos moldes que temos hoje, muita gente se sente superior ao outro. Será que Nenel está querendo, também, desqualificar o pai dele?Quando retornei, do Rio de Janeiro para Salvador,(década de 80) encontrei alguns mestres de capoeira, angola, usando os tais cordéis. Conversei com todos eles e, após alguma resistência natural, tal simbologia foi gradativamente abolida.Quando no meu blog afirmei a contemporaneidade entre os apelidos e a capoeira regional não pensei em atingir o saudoso Mestre Bimba nem a nenhum outro mestre em especial, mas áqueles que consciente ou inconscientemente, continuam com uma prática que tem sido, atualmente, foco de discussões. Principalmente nas escolas, pelo efeito que o apelido causa no psique das crianças e adolescentes Aliás, dos antigos alunos do mestre que se tornaram famosos e que receberam apelidos pejorativos, inteligentemente, não permitiram que tais apelidos viessem a criar raízes. Já ouviram falar em pinico? E outros de uma grande lista. Entendo essa polêmica como resultado de uma discussão que, com certeza, levará muitos alunos e até mestres à reflexão. Outros, no afã de justificar seus comportamentos, não sairão da frente do computador buscando a história do Mestre Moraes. Tenho a certeza de que só divulgarão o que servir como instrumento para a negação dos meus feitos pela capoeira. Ora, isso está virando moda. Até o Mestre Pastinha já foi vítima dessa forma tendenciosa de fazer pesquisa. Naquele momento eu não me pronunciei porque sei da impossibilidade de alguém, seja quem for, conseguir negar o significado do Mestre Pastinha ou Mestre Bimba para a história da capoeira. Seria alguma coisa do tipo, banana comendo o macaco. Ops! De qualquer forma, quero agradecê-lo por lembrar-me da minha condição de aprender com os erros. Lembre-se que, todos nós, já fizemos as nossas necessidades fisiológicas nas fraldas quando bebês. Eu cresci, adquiri experiências, fui tornado mestre de capoeira e parei. Agora estou tentando ensinar, aos que ainda são crianças, como limpar o bumbum. Ninguém está obrigado a aceitar as minhas orientações. Nem os meus alunos. Finalizo aqui a discussão sobre o tema, pois tenho outros assuntos concernentes à capoeira a serem apresentados. Moraes.

11 de mai. de 2009

Meu cantar tem sentimento.

Estou preparando um artigo sobre a importância da música na capoeira angola, além de estar interpretando algumas letras de músicas dos CDs do GCAP.


PODEM ESPERAR!


Mestre Moraes.

Diga-me o seu nome, e dir-te-ei quem és.

O envolvimento das elites com as manifestações populares é caracterizado, também, pela seleção de simbologias que sirvam como prova real deste envolvimento. No caso específico da capoeira, a ocupação deste espaço foi seguida pela absorção de elementos externos, ligados à escravidão, os quais têm sido utilizados sem critérios históricos o que, geralmente, resulta no que denominamos, hoje, de politicamente incorreto. Exemplos como a não utilização de calçado, calças acima do tornozelo, e outros exemplos que simbolizam uma capoeira eternamente escrava. Mas limitar-me-ei a um deles, o apelido, devido aos efeitos negativos para a auto-estima, e pelo desrespeito a todo ritual por que passa um ser humano, antes e após o nascimento, para receber um nome.
O interesse pela utilização de elementos que identifique a capoeira como mais uma manifestação de matriz africana, passa por uma pesquisa mais apurada, neste caso, do que significava para o escravizado a perda do seu nome.
Vale informar que, na realidade, a prática de batizar o aluno e dar-lhe um apelido é tão jovem quanto a criação da capoeira regional. Nas várias obras que versam sobre a capoeira, pelo menos até o final do século XIX, não encontrei registro que justifiquem tal "ritual" como tradição ligada à capoeira. Só consigo interpretar tal prática como mais uma forma de racismo que já não tem cabimento, diante dos diferentes espaços que a capoeira vem ocupando, uma vez que a maioria desses apelidos têm conotação pejorativa.
Historicamente, duas nacões africanas são reconhecidas como mais numerosas na preferência dos traficantes durante o tráfico atlântico: os angolas, que eram batizados no momento do embarque no porto de Luanda, e os nagôs que recebiam os sacramentos católicos nos portos de chegada. O batismo se caracterizava pela troca do nome de origem por um nome cristão, adicionado à etnia do escravizado. Ex: Manoel Angola, Antonia Nagô , e assim por diante. No Brasil, mesmo ao serem alforriados, não ficavam livres das marcas da escravidão. Ao nome cristão era acrescentado o sobrenome do senhor de engenho, ex-proprietário do escravizado. Observa-se que o objetivo era a desconecção do africano com os seus parentes, a partir da perda de identidade.
João Reis, além de apresentar rituais afro-orientais que caracterizam a simbologia do nome para o africano, afirma o nome pessoal como "peça de resistência ao lado do nome dado pelo senhor." ( Reis:315). Ainda, segundo Reis, "o batismo simbolizava para a maioria dos escravos a trágica passagem da posição de africanos para a de escravos. Ao preservarem os velhos nomes étnicos ou mulçumanos, eles buscavam reter uma parte importante e muito significativa da memória e identidade pessoais."(Reis:316). Aqui, o batismo era o momento em que o africano, além de mudar de nome, era obrigado a deixar para trás as suas experiências religiosas tendo que, obrigatoriamente, aceitar a religião católica, do que os escravocratas nem sempre obtiveram êxito.
Como sabemos, capoeira e capoeiristas foram perseguidos pela polícia em todos os lugares em que se apresentaram. A História está repleta de fatos que reforçam esta minha afirmativa. De tal maneira que, segundo Holloway, no Rio de Janeiro do século XIX, "[...] desde a criação da intendência em 1808 até a década de 1890, boa parte da força policial destinou-se a reprimir a capoeira". Ainda conforme o autor, até o ato de arremessar pedras contra alguém poderia levar o autor a ser enquadrado na atividade genericamente denominada de capoeira.( Halloway:53).
Observamos que, para o Rio de Janeiro,"o termo se aplicava a várias atividades exercidas sobretudo por escravos [...]". (Halloway:52).
Algumas pessoas tentam explicar a "tradição" do apelido com a justificativa de que os capoeiristas de antigamente se utilizavam desse artifício para se esconderem da polícia. Vale atentar para o fato de que essa era, e continua nos dias de hoje, uma estratégia da repressão policial para que suas investidas contra perseguidos homônimos não fosse prejudicada. O apelido era escolhido a partir do estereótipo do indivíduo, semelhante à forma como vem acontecendo na capoeira. Conforme o capoeirista que estiver sendo batizado ele pode, a partir daquele momento, ser chamado de Macaco ou Brad Pitt; Capenga ou Diego Hipólito ;Xuxa ou escrava Isaura.
Claro que o afro-descendente, nem sempre dotado de uma beleza cartesiana, dificilmente será agraciado com um apelido não pejorativo, já que a referência é o extereótipo.Tenho feito a experiência de perguntar a alguns capoeiristas - àqueles que carregam os apelidos mais degradantes - se seus pais, irmãos e outros parentes o tratam por tal apelido, e a resposta da maioria é sempre negativa.
Diante dessa realidade e atentando para o fato de termos, hoje, a capoeira sendo ensinada em várias escolas, deixo as seguintes perguntas para reflexão: como esse problema tem sido tratado à luz da lei 10.639? Que efeito esta prática faz nas crianças praticantes de capoeira? Onde está o Movimento Negro? E, para finalizar, quando, nas plagas européias, teremos um capoeirista apelidado de Macaco ou uma capoeirista apelidada de Nêga Maluca? Urge que reflitemos.
Caros amigos e amigas capoeiristas, reajam a esse desrespeito. A sua estima em primeiro lugar. O seu nome é o link (ligação) entre você e os seus ancestrais. Aceitar um apelido é abrir mão de estar em contato com uma energia que orienta o seu pertencer. Mas se você gosta do seu apelido, mesmo que pejorativo, eu só tenho que respeitar o seu direito de escolha.
Mestre Moraes

Referência bibliográfica


Thomas H. Holloway, Polícia no Rio de Janeiro:repressão e resistência numa cidade do século XIX, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1997.

Carlos Eugênio Líbano Soares. A capoeira escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro(1808-1850), Campinas, Unicamp, 2001.

João José Reis, Rebelião Escrava no Brasil. A história do levante dos malês em 1835, São Paulo, Companhia das Letras, 2003.

7 de mai. de 2009

Homenagem do mês: Mestre Totonho de Maré

Mestre Totonho de Maré, Antonio Laurindo das Neves, nasceu em 17 de setembro de 1894 na Ilha de Maré, localizada na Baía de Todos os Santos em Salvador. Filho de Manoel Gasparino Neves e de Margarida Neves, faleceu em 18 de outubro de 1974, aos 80 anos. Mestre Maré foi um dos fundadores da famosa Gengibirra ao lado de importantes figuras da Capoeira Angola como Mestres Noronha, Amorzinho, Aberrê, entre outros. Foi muito respeitado nas rodas de capoeira e costumava cantar uma quadra que indicava o lugar privilegiado que ocupava na capoeira angola. Mestre Maré utilizava a expressão “galanteria da capoeira” quando se referia aos antigos mestres da capoeira baiana.

Quem quer saber do meu nome,
como foi dado na pia*
me chamo Maré sem medo,
e sou da galantaria.

*O mestre se referia a pia batismal.

Fonte: Arquivo particular de Jair Moura.

Quando não levam Maomé à montanha, a montanha vai a Maomé.

Diante do grande número de pessoas que tem acessado este blog, informo que muitos outros textos, sobre a capoeira angola, estarão sendo publicados num espaço de tempo o mais breve possível. Observo que estou conseguindo permutar conhecimento com quem quer mais do que, simplesmente, jogar capoeira mas complementar esta capacidade com outras vertentes realmente indispensáveis.

Mestre Moraes.